Guardar um segredo por muito tempo pode não ser a melhor atitude quando o que está em jogo é a carreira. “Depois que colegas do trabalho descobriram que eu era gay minha relação profissional melhorou”, garante o cientista da computação Tiago Miranda, que, aos 31 anos, após ter coordenado todo o projeto de criação da rede interna de internet da Receita Federal, foi alçado ao posto de chefe substituto da Divisão de Comunicação. Assim como ele, um número cada vez maior de profissionais, nos governos e nas empresas, tem decidido enfrentar o preconceito e assumir publicamente sua orientação sexual.
Para essas pessoas, o risco de pisar num campo minado é compensado pela oportunidade única de ser quem você realmente é. “E isso pode ser bom negócio tanto para esses profissionais quanto para as empresas em que trabalham”, defende a especialista em carreiras Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia da consultoria de aconselhamento a executivos People and Results. Para ela, o profissional que decide romper o silêncio deixa de gastar energia encenando um personagem. “Ao mesmo tempo, as empresas têm a oportunidade de ter representação coerente com a sociedade”, diz Maria Candida.
Fernanda Amorim, diretora da unidade do Rio de Janeiro da consultoria inglesa Michael Page, uma empresa global de seleção de altos executivos, diz que a cultura de promoção da diversidade já faz parte da agenda das multinacionais com atuação no país. “Trabalho com recrutamento há oito anos e nunca ouvi de um cliente pedido para que não se contratassem homossexuais”, conta a consultora. Para ela, o que importa é avaliar as competências.
Resistência quebrada
Diversidade também é a palavra de ordem de instituições que já foram sinônimo de conservadorismo. No Banco do Brasil, maior instituição financeira do país, políticas de inclusão de gênero fazem parte das metas de gestão de pessoal. Funcionários gays foram autorizados a incluir parceiros na ficha cadastral e, mais recentemente, homens solteiros e casais homoafetivos ganharam direito à licença-paternidade, em caso de adoção. É uma mudança e tanto para um banco que, há 30 anos, impedia que mesmo funcionárias incluíssem os maridos, não funcionários, como dependentes.
Nenhuma empresa diz claramente “não contrato gays”, até porque a discriminação é proibida por lei, mas é claro que ainda há prejulgamento, que se torna evidente quando algum colega pratica assédio moral disfarçado de anedotas e gozações no ambiente de trabalho. “A pessoa traz o preconceito de berço e o leva para a vida profissional”, lamenta o assistente administrativo Diego Gonçalves Rodrigues.
Sul-mato-grossense de Ponta Porã, ele enfrentou a rejeição da família quando, há três anos, assumiu a homossexualidade. Os pais muito religiosos buscaram aconselhamento da igreja, que votou pela exclusão dele da congregação. Como consequência, foi expulso também de casa. À época, entrou em profunda depressão que também lhe rendeu demissão no trabalho. Foi o fundo do poço.
Como ele, Tiago Miranda também viveu situação de grande constrangimento quando teve a sua orientação sexual revelada. Há oito anos, o goiano de Anápolis encontrou por acaso uma colega de trabalho em um bar. Os dois estavam acompanhados. Ele, do namorado; ela, da namorada. Dali em diante, passaram a ser confidentes, até mesmo pelo computador do trabalho. O que não imaginavam, porém, era que as máquinas tinham sido hackeadas, e que toda a conversa íntima dos dois era compartilhada por centenas de colegas. “Nós não pensamos em processá-los porque ficamos com medo de também sofrer represália, afinal estávamos conversando sobre sexo no local de trabalho. Como não podíamos ficar sem salário, minha colega pediu transferência e acabei tendo que encarar isso”, lembra Tiago.
A cearense Valdenizia Peixoto, 31, não chegou a viver situações de confronto, mas sabe que sua história é exceção. Há seis anos, saiu da casa dos pais, em Fortaleza, e foi morar sozinha. “Meus pais sabem e aceitam, mas esse assunto nunca foi colocado na mesa do jantar”, diz. Dois anos e meio atrás, passou num concurso público e mudou-se para Brasília, onde hoje coordena o curso de graduação de serviço social da Universidade de Brasília (UnB). “Tenho ambiente de trabalho favorável. Mas se fosse de um curso mais machista talvez sofresse algum preconceito”, conta.
Pressão do mercado
A maior aceitação no mercado de trabalho culminou em uma mudança cultural por parte de governos e empresas. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) paga, desde 2000, pensões por morte do companheiro ou da companheira àqueles que comprovam ter mantido união estável homoafetiva. Mas são mesmo as condições favoráveis do mercado que vêm forçando empresas a serem tolerantes. Márcia Almstrom, diretora de Recursos Humanos do ManpowerGroup, uma empresa de recrutamento, disse que a escassez de pessoal qualificado está levando companhia a terem “olhar mais flexível”.
“Preconceitos não acabam facilmente. Mas ser gay não é mais fator de eliminação. O que as empresas querem é um profissional que saiba fazer as suas tarefas. Daí o prolongamento do tempo de vida útil do bom empregado, a aceitação de deficientes e vários outros pontos na agenda da diversidade”, explica.
Funcionário de carreira há 37 anos e hoje ouvidor da Cassi, a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, Augusto Andrade não tem medo de assumir sua orientação. Tem um companheiro, adotou um filho e sempre lutou por seus direitos. Ele disse que, ao contrário do que muitos imaginam, assumir diminui a discriminação. Mas entende que colegas novos que chegam a postos no interior tenham medo, pois esses locais tendem a ser mais conservadores.