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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Summer of Soul' pode levar o Oscar ao resgatar festival negro de 1969


Feito em grande parte com imagens lindamente restauradas a partir de filmes que ficaram apodrecendo num porão durante 50 anos, o documentário "Summer of Soul" apresenta uma versão resumida e arrebatadora do Harlem Cultural Festival. O diretor Ahmir "Questlove" Thompson fez um enorme trabalho de pesquisa e entrevistas com artistas e pessoas que assistiram aos shows ao vivo naquele verão nova-iorquino do fim da década de 1960.

 

Mas o ouro são as 40 horas de gravações em fitas de áudio e vídeo feitas pelo cinegrafista e produtor Hal Tulchin, que, na tentativa de atrair algum interesse da indústria cultural americana pelo que tinha captado naqueles seis domingos, apelidou o festival de "black Woodstock". Em vão. O material ficou esquecido até a sua morte, em 2017, quando foi cair nas mãos de Questlove, que viu, entendeu a importância do que viu e decidiu produzir o documentário.

 

Ele caprichou na edição, que vai aos poucos construindo um retrato da tensão racial na sociedade americana naquele momento, em que jovens negros eram mandados para a Guerra do Vietnã em números muito maiores do que os brancos e muitos dos que ficavam eram perseguidos e mortos pela polícia.

 

A desconfiança da população negra com o establishment era tão grande que os organizadores do festival chamaram membros do partido político Panteras Negras para fazer a segurança. No Harlem, a pobreza e a epidemia de drogas eram os problemas que mais preocupavam seus moradores.

 

O documentário "Summer of Soul" tem um título bem maior, na verdade -é seguido por "(...Ou, Quando a Revolução Não Pode Ser Televisionada)". A frase entre parênteses remete ao nome e ao refrão do poema musicado "The Revolution Will Not Be Televised", escrito por Gil Scott-Heron, músico americano considerado uma fonte de inspiração do rap e que se tornou um hino informal dos ativistas dos Estados Unidos no final dos anos 1960.

 

Esse filme marca a estreia na direção do músico e produtor americano líder da banda The Roots, que toca no programa "Late Night with Jimmy Fallon", na NBC, e que dirigiu a orquestra da última cerimônia do Oscar.

 

Foi um dos mais aclamados pela crítica do mundo todo no ano passado, quando foi lançado, e está sendo considerado um forte candidato a uma indicação ao Oscar de melhor filme do ano. Não de melhor documentário --mas filme, o prêmio mais importante da cerimônia, que neste ano acontece no dia 27 de março.

 

O fato de chegar ao Brasil só agora, discretamente e no canal de streaming do Telecine, que desde seu lançamento apresenta inúmeros problemas técnicos, é quase tão revelador quanto outro dado, ainda mais inacreditável. O festival de música negra que ele documenta aconteceu durante seis semanas no mesmo verão em que o homem chegou à Lua e que aconteceu o festival de Woodstock, mas foi completamente esquecido.

 

A chegada do homem à Lua foi vista ao vivo na TV por 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo. Durou menos de três horas. O festival de Woodstock aconteceu a duas horas de distância de Nova York, durou um final de semana chuvoso e ficou conhecido com um dos maiores eventos da música popular da história.

 

Enquanto isso, no Harlem, durante seis domingos no verão de 1969, aconteceram shows gratuitos de nomes como Stevie Wonder, Nina Simone, Sly and the Family Stone, Gladys Knight, Mahalia Jackson e B.B. King, entre muitos outros.

 

A única vez que a televisão local foi até lá foi justamente no dia seguinte à chegada de Neil Armstrong e Buzz Aldrin à Lua, em 20 de julho, para gravar a reação dos negros a esse marco histórico da conquista do espaço.

 

O que o repórter branco queria, e conseguiu, era um contraponto à exaltação do público em geral em relação ao grande feito da Nasa e do governo americano. As pessoas que lotavam o parque Mount Morris (hoje Marcus Garvey) na tarde do dia 21 de julho de 1969 não poderiam se importar menos com "o grande salto para a humanidade" dado pelo astronauta. Não porque não enxergaram a grandeza do "pequeno passo para o homem" de Neil Armstrong, mas porque no verão de 1969 as prioridades dos negros eram outras.

 

E porque eles estavam testemunhando um outro acontecimento histórico, um feito inacreditável do cantor e promotor Tony Lawrence, praticamente um desconhecido com um enorme poder de persuasão, que convenceu o departamento de parques de Nova York --com apoio do prefeito republicano John Lindsey e patrocínio da marca de café Maxwell House-- a contratar alguns dos maiores nomes da música negra da época para se apresentar em uma série de shows.

 

O ano anterior tinha sido violento no bairro negro e latino de Nova York por causa do assassinato do pastor e ativista Martin Luther King, em Memphis, no estado americano do Tennessee. Ele foi o quarto homem assassinado naquela década que tinha uma posição política favorável à luta pelos direitos civis.

 

Primeiro tinha sido o presidente John Kennedy, em 1963. Depois, o ativista Malcolm X, em 1965. E, meses antes da morte de Martin Luther King, o irmão do presidente Kennedy, Bobby Kennedy, que estava concorrendo à presidência.

 

Em 1969, o clima do verão no bairro era de revolução, mas outro tipo de revolução. Que, para nossa sorte, agora pode ser televisionada.

 

Trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=1-siC9cugqA

 

SUMMER OF SOUL (...OU QUANDO A REVOLUÇÃO NÃO PÔDE SER TELEVISIONADA)

 

Quando: estreia nos cinemas em 27 de janeiro (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Belo Horizonte)

 

Onde: disponível no Telecine Play

 

Classificação: 12 anos

 

Elenco: Al Sharpton, Dorinda Drake, Stevie Wonder

 

Produção: EUA, 2021

 

Direção: Ahmir "Questlove" Thompson

 

Avaliação: ótimo


 

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